Vidas

Vidas, Jornal Expresso, nº1522 de 29 de Dezembro de 2001
Tem um percurso profissional na moda invejável, mas mesmo assim Sofia Aparício diz que não se considera uma mulher bonita. Entrou no mundo da moda aos 13 anos e isso obrigou-a a crescer muito depressa. Sempre envolta numa áurea misteriosa, a manequim confidencia algumas intimidades, nomeadamente que já consumiu drogas.
- Diz que não se acha uma mulher bonita
- É verdade. A beleza é uma coisa muito relativa e depende dos olhos de quem a vê. É muito mais que a aparência, por isso acho que se me analisar num todo, vivo bem comigo e preocupo-me em ser uma boa pessoa. Agora em termos físicos, a maioria das minhas colegas manequins são muito mais bonitas que eu.
- Mas é considerada uma das melhores manequins portuguesas.
- A moda, para mim, é uma profissão como outra qualquer. Não me acho realmente bonita, mas gosto muito que me dêem personagens diferentes para eu brincar com elas. Quanto mais feia me põem mais bonita me sinto.
- Então ser manequim não era um sonho?
- Não. Entrei no mundo da moda porque a minha mãe era cliente do cabeleireiro e estilista José Carlos e, quando tinha 13 anos, fui lá cortar o cabelo e ele quis-me fotografar. Comecei por fazer trabalhos como modelo fotográfico, até que, aos 15, tirei o curso de manequim e comecei a desfilar. No início, o mundo da moda parecia-me muito vazio, mas depois fiz grandes amigos e passei a vê-lo com outros olhos.
- Muda muitas vezes de ‘look’.
- Preciso dessas mudanças. Já tive o cabelo de todas as formas possíveis, mas agora estou mais calma.
- Gosta de ver uma Sofia diferente ao espelho?
- Eu não me olho muitas vezes ao espelho. Quando era manequim mudava muitas vezes de visual porque o meu trabalho se tornava mais interessante assim. São as mudanças que me dão prazer.
- Rapar o cabelo foi uma das suas maiores extravagâncias?
- Adorei rapar o cabelo e, ao contrário do que dizem, não foi preciso coragem. Foi a primeira vez na minha vida que olhei para o espelho sem maquilhagem e achei que estava engraçada. Nessa altura, só me apetecia usar vestidos, saias e andar com estilo de menina.
- O que acha que a fez vingar na moda e ser considerada uma das melhores?
- O facto de não me achar muito bonita, o que me obrigava a trabalhar mais, e os princípios que os meus pais e as minhas avós me transmitiram. São bases muito fortes que me permitiram aguentar e saber viver no mundo da moda.
- Os seus pais aceitaram bem a entrada na moda?
- Não. Eles queriam outro futuro para mim, até porque era boa aluna. Lamento tê-los desiludido, talvez hoje já tenham aceite as minhas escolhas.
- Diz que o seu pai continua a ralhar-lhe por causa dos ‘piercings’...
- Eu adoro o meu pai, ele é o homem da minha vida. Ele continua a tratar-me como quando era pequena.
- É a ele que recorre quando tem um problema?
- Não. Eu resolvo tudo sozinha, não peço conselhos e só vou ter com ele quando já está tudo resolvido. Ele é, sem dúvida, o meu melhor colo. Os meus pais são tudo para mim.
- Era uma jovem irreverente?
- Nunca fui. Era muito sossegada, tranquila e sempre cumpri as regras dos meus pais enquanto vivi com eles, até aos 19 anos. A partir do momento em que percebi que já não conseguia cumprir as suas regras fui-me embora. Mas nunca fui irreverente, nem nunca senti necessidade de me afirmar.
- Numa altura da sua vida teve um problema com drogas
-Não tive quaisquer problemas com drogas! Consumi-as e é só isso. A maioria das pessoas da minha idade fizeram-no. A única diferença é que eu não o escondo.
- Chegou a frequentar o curso de Gestão
- É verdade. Entrei na Universidade Católica aos 17 anos, mas continuei a trabalhar como manequim. Nunca acabei o curso e desde o início que sempre soube que não ia aguentar aquilo muito tempo. Fui para a faculdade pelos meus pais. Pelo menos tentei...
- Começar a trabalhar cedo obrigou-a a crescer muito depressa.
- Eu quis ser independente muito cedo, logo tive de trabalhar muito cedo. E tive de crescer rapidamente ou não me safava no mundo da moda. Não tive adolescência, mas também não me fez falta.
- Porquê essa necessidade de ser independente tão cedo?
- Eu tenho de ser assim. A mim ninguém me paga nada, nem me dão nada. Eu gosto muito mais da minha casa porque sou eu que a estou a pagar. Desta forma as coisas têm mais valor para mim. Tudo tem de ser construído por mim e tenho de ser livre e fazer o que quero e quando quero.
- Por isso é que nunca se casou?
- Nem nunca o vou fazer! Assinar um papel perante a sociedade não me diz nada. Se eu estiver com alguém de quem gosto muito, estarei casada com essa pessoa em sentimentos, nada de contratos.
- Está apaixonada?
- Muito e isso nota-se quando se olha para mim.
- Pretende ser mãe?
- Quero muito ter filhos, mas não sei se quero pôr mais uma criança neste Mundo, pois há tantas para adoptar. Ter um filho é egoísmo. Por isso, quando tiver a minha vida organizada, também quero adoptar duas ou três crianças. Ou talvez até só adoptar. Só ainda não sou mãe porque a minha vida económica é muito instável. E, depois, como sou muito independente e não quero depender de ninguém, as coisas ficam mais difíceis.
- A Sofia é muito preocupada com os outros
- Não só com as pessoas, mas também com os animais. Magoa-me ver e saber certas coisas e fico triste com as faltas de respeito que o ser humano tem pelos outros e pelo mundo em si.
- A Sofia tem como que uma ‘capa’ misteriosa à sua volta
- A verdade é que não quero que as pessoas se aproximem de mim. Foi esta ‘capa’ que me protegeu ao longo dos anos. A Sofia Aparício é aquilo que cada um imaginar na sua cabeça e não estou preocupada em mudar consoante as opiniões. Não vou fazer com que me achem mais gira se me vêem feia, nem mais simpática se me acham estúpida. A Sofia só se dá a conhecer às pessoas de quem gosta.
Sente-se uma pessoa realizada?
Muito, quer a nível pessoal quer profissional. Gostava de fazer teatro, mas sei que é difícil. As pessoas não se conseguem abstrair deste corpo, da minha imagem. Dizem-me que as pessoas me acham inatingível e eu acho estranho, pois sou muito simplória. Alguém de referência na sua vida. A minha avó materna, a Joana. Para mim, ela engloba a família inteira. Olhar para ela é ver os meus pais, a minha irmã, a minha sobrinha e a minha avó paterna, a Iva. O que é que a assusta? A mediocridade e a pobreza de espírito.
O segredo para manter a sua privacidade?
Nunca falo da minha vida privada, pois ninguém tem nada a ver com isso. Depois nunca vou a festas, só às de trabalho. Essas coisas não me dizem nada.
Helena Isabel Mota

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