I'll see you in my dreams

Sofia Aparício caracterizada de zombie na Curta metragem de Miguel Angél Vivas, vencedor do Grande Prémio (curtas) do Fantasporto 2004 e do Prémio Méliès de ouro de Amesterdão
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2003 - "I'll see you in my dreams", curta-metragem de Miguel Ángel Vivas, personagem Ana
Numa aldeia inexplicavelmente assolada pela praga dos zombies, o pobre e honesto Lúcio (Adelino Tavares) parece ser a única pessoa capaz de lhes fazer frente. Mas os problemas de Lúcio não acabam aqui: na cave da sua casa, esconde Ana (Sofia Aparício), sua adorada mulher, agora transformada num demónio violento e disforme. O desafortunado protagonista vai afogando estas mágoas no bar local, onde os estranhos habitantes da povoação buscam refúgio. É aqui que um padre zarolho (Rui Unas) vem a ser abatido sem misericórdia, após o seu contágio pelos zombies. E é também aí que, numa noite, Lúcio redescobre o amor junto de Nancy (São José Correia). Porém, a relação de ambos é ameaçada pelas medonhas criaturas e pelos ciúmes mortais da sua mulher. Quando Lúcio se vê forçado a confrontar os zombies por uma última vez, tudo terminará da forma mais trágica!
As originalidades deste argumento de Filipe Melo, Ivan Vivas e Miguel Angél Vivas começam com a estrutura. Os filmes de terror dividem-se normalmente em três actos que documentam a queda e reorganização de uma determinada ordem social. O primeiro acto fornece um retrato da ordem cessante e descreve-nos uma comunidade ainda em paz, que tanto pode ser uma cidade normal (Halloween, Gremlins) como um grupo isolado (Veio do Outro Mundo, Sexta-Feira 13, Deliverance), ou mesmo uma pessoa singular (Carrie, The Vanishing). O segundo acto testemunha a chegada de um monstro que traz consigo o caos, a violência e a destruição da ordem vigente. O terceiro e último acto ocupa-se da resolução dos conflitos e da instauração de uma nova ordem, que pode ser idêntica ou não à que existia no início do filme; claro que a nova ordem também não tem de ser necessariamente melhor que a precedente, pois é o seu processo de alteração e reconstrução que define e caracteriza o género de terror. No caso de I’ll See You In My Dreams, as coisas começam pelo meio, pois os monstros já existem e estão embrenhados nos hábitos e na cultura dos aldeões: na sua primeira fala em off, o protagonista queixa-se do isolamento, do quotidiano entediante e da «merda dos zombies».
Todo o filme de terror necessita de um monstro e quanto mais medonho, melhor. No caso de I’ll See You In My Dreams, os zombies de Filipe Melo são particularmente assustadores: porque o autor sabe bem que o medo mais poderoso é o do desconhecido, em nenhum momento nos é revelada a origem dos bichos. Inteligentemente, o argumentista soube manter a boca calada e poupar o espectador às enfadonhas explicações da praxe, que são geralmente de quatro ordens: naturais, sobrenaturais, psicológicas ou científicas. As causas naturais põem em relevo a pequenez e a insignificância do ser humano perante as forças da Natureza: a erupção vulcânica de Volcano, o tubarão assassino de Jaws ou o terramoto de Earthquake. Os monstros sobrenaturais, como os Cenobitas de Clive Barker, têm um apelo normalmente limitado, pois requerem do espectador um certo grau de imaginação e uma capacidade de alheamento da vida e são relativamente poucos os que estão suficientemente livres da anestesia da rotina diária para poder responder aos subtis chamamentos do exterior. As causas psicológicas são geralmente as mais assustadoras de todas, pois radicam inteiramente no mundo real: os assassinos psicopatas de Psycho ou O Massacre do Texas. As causas científicas surgem da própria actuação humana: Dr Jekyll, Dr X, Fu Manchu ou Professor Quatermass encarnam os perigos da ciência sem ética. Nada disto surge em I’ll See You In My Dreams, que conserva assim intocado todo o seu mistério e fascínio.
O primeiro filme de terror português é já um fulgurante sucesso internacional e veio desenterrar novas perspectivas de evolução para um sub-género actualmente em crise. Enquanto que muitos dos novos realizadores optaram, sem grande sucesso, por uma abordagem mais sisuda e têm feito dos seus filmes de zombies o retrato de uma sociedade decadente e corrupta, Filipe Melo prefere o humor desbragado de obras como O Soro Maléfico (1985), O Regresso dos Mortos Vivos (1985) ou A Morte Chega de Madrugada (1987). O seu I’ll See You In My Dreams é uma pequena maravilha que aterroriza e diverte como poucos, apesar das limitações financeiras que atormentaram a sua produção.

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