Viva a Liberdade

ENTREVISTA AO PROGRAMA VIVA A LIBERDADE da SIC (96/97)
Programa de Miguel Sousa Tavares, António Barreto e José Pacheco Pereira
Debate acerca da Beleza e Moda
Convidados: Sofia Aparício (manequim)
Tó Romano (director da agência Central Models)

M.S.T.: Abre-se um jornal, uma revista, vai-se ao cinema, vê-se um documentário, abre-se a televisão, vê-se a publicidade e lá está ela omnipresente: A MODA.
Sofia Aparício a minha convidada ali da concorrência, vai para o 127º programa do 86-60-86, espero não me ter enganado. Vou começar por ai.
Sofia quem é que diz que estas são as medidas perfeitas e perfeitas para quê?
S.A.: Eu acho que não existem medidas perfeitas, pelo menos, não serão 86-60-86 ou 90-60-90. Será um estereótipo, um nome engraçado que nós encontrámos para o programa. Eu acho que o mais importante é as pessoas sentirem-se bem dentro da pele que têm. E não é por serem ligeiramente mais gordas ou ligeiramente mais magras que terão de se sentir obrigatoriamente pior por causa disso.
M.S:T: Mas não é essa a imagem que a moda transmite, pois não?
S.A.: Eu acho que é. Eu acho que não se pode culpar a moda pelos “desequilíbrios” das pessoas, ou seja, eu não tenho culpa se quando uma pessoa abre uma revista de moda e me vê a vender a imagem de um criador, se ela vai pensar que tem que ser exactamente aquilo que ali está.
M.S.T.: Mas é isso que ela vai pensar. Você está consciente disso?
S.A.: Mas eu não tenho culpa disso.
M.S.T.: Está bem mas, ninguém disse que você tem culpa…
S.A.: (risos) E não acho que a moda tenha culpa. E não acho que as pessoas pensem assim, pelo menos, as pessoas mais novas. Eu vejo que, hoje em dia, as pessoas mais novas vêem as revistas de moda, (e a moda só é boa enquanto faz as pessoas sentirem-se bem com elas próprias. Não é de maneira nenhuma fundamental para a vida das pessoas). E eu acho que, hoje em dia, as pessoas mais novas olham para as revistas de moda e adaptam: se calhar escolhem só aquele cabelo, se calhar escolhem só aquele verniz que ela tem nas unhas. Eu acho que, hoje em dia, o importante é as pessoas manterem a sua individualidade e saberem tirar partido das coisas bonitas que vão aparecendo.
M.S.T.: Bom, mas aquilo que a Sofia disse há pouco que o que interessa é as pessoas por dentro. Faz-me lembrar o que dizia a Cheer naquele filme do Robert Altman, o prêt-à-porte. Que, a certa altura perguntam-lhe, e aquilo não foi montado porque o filme é praticamente um documentário, alguém lhe pergunta: o que é para si a roupa, a moda? E ela é aquela pessoa que já fez 5 liftings, 2 lipoaspirações, tirou 2 costelas para ficar com a cintura mais estreita. E ela diz assim: Ah, isso não conta nada, é muito triste e conduz as pessoas à solidão, o mais importante é a beleza interior.
S.A.: Não mas eu sou, ou seja, aquilo que eu visto é um bocado o reflexo da minha personalidade.
M.S.T.: De acordo, mas você está a importar um modelo, está a mostrar às outras pessoas que elas têm de ser como si, tem de ser 86-60-86.
S.A.: Não, eu estou a mostrar uma proposta. Eu não tenho 86-60-86 e nunca vou ter na vida, é impossível. Não era possível a mim, fisicamente, ter essas medidas e não sou infeliz por isso, nem sequer faço nada para as ter. Agora, eu como manequim é-me pedido vender uma imagem, seja ela a imagem de um criador ou de um produto se se tratar de publicidade. Eu, como manequim, tento vender uma proposta. É uma proposta não é uma imposição.
M.S.T.: Você dizia uma coisa numa entrevista, que pronto, não sei se está arrependida do que disse ou não, mas dizia assim: “Eu sou um produto, a Sofia Aparício".
S.A.: Eu não. A Sofia Aparício.
M.S.T.: Tal e qual como um automóvel. E tentou ser um bom produto como outro produto qualquer?
S.A.: Sim.
M.S.T.: Continua a achar isso?
S.A.: A Sofia Aparício é o meu objecto de trabalho. É o que os clientes, ou seja, um cliente tem um produto para vender e quer uma manequim morena e mais ou menos com o meu aspecto, porque se encaixa bem no produto dele, vai-me escolher. Se quiser uma loira já não me vai escolher porque eu agora não sou loira. Mas a Sofia Aparício é o meu objecto de trabalho, é aquilo com que eu trabalho. Eu seria incapaz de me por em cima de uma passerelle com um vestido transparente e achar que estava a desfilar o meu corpo. Não estou, não era capaz.
M.S.T.: Mas você já desfilou assim.
S.A.: Sim, em toda a minha carreira recusei um vestido e não era transparente mas achei que, realmente, não o ia conseguir vestir porque era bastante ordinário e não era transparente…
M.S.T.: Sim. Eu lembro-me bem duma fotografia em que a parte de cima do vestido era completamente transparente. Você olhava para essa fotografia nos jornais…
S.A.: E o que é que eu via?
M.S.T.: Não se identificava consigo?
S.A.: Eu via a imagem do José António Tenente. Era aquela imagem que ele queria vender, foi aquela imagem que eu tentei vender.
M.S.T.: Então entre si e o vestido não há grande diferença, quer dizer, você, praticamente, é o cabide do vestido?
S.A.: Um bom ou mau cabide consoante um bom ao mau manequim.
Eu em relação aos cursos de manequins que estavam a falar há bocado e em relação aos pais levarem os filhos às agências para os filhos serem manequins. Eu tirei o curso de manequim tinha 15 anos e a minha mãe deixou-me tirar o curso porque eu era uma Maria-rapaz, nunca tinha calçado uns sapatos na vida, só sabia andar e ténis e de botas.
M.S.T.: E não tem saudades disso?
S.A.: Mas eu, normalmente, ando de ténis e de botas (risos). E eu tirei o curso de manequim como valorização pessoal. Eu não sabia que viria a trabalhar como manequim. E só me fez bem. Desde que as escolas não enganem as pessoas e dizerem: tira o curso que vais trabalhar, quer dizer, tira o curso que podes ou não trabalhar.
M.S.T.: E há quem o faça?
S.A.: Há tantas escolas de manequins.
M.S.T.: Quantas alunas há, candidatas a serem manequins em Portugal?
S.A.: Eu acho que há milhares de pessoas a dizerem que são manequins.
P.P.: Como é que se abatem os modelos? Como é que dos 2000 para os 20 se abatem?
M.S.T. e T.R.: Falta de mercados…
P.P.: Mas isso eu percebo. As pessoas cansam-se, mudam…

S.A.: Um bom manequim não é obrigatoriamente um homem ou uma mulher mais bonito que os outros.
P.P.: Isso estou de acordo.
S.A.: É uma questão de personalidade.
P.P.: Certo. Mas porque é que dos 2000 sobram 20?
S.A.: Saem milhares de pessoas da universidade de economia e nem todos conseguem ser bons economistas.
M.S.T.: Sofia estou a chegar ao fim do programa, queria fazer-lhe uma pergunta, uma frase dita pela Naomi Wolf que é feminista, que diz que hoje em dia o maior inimigo da mulher é a beleza e ela diz isso justamente porque acha que a mulher é escrava da beleza e dos símbolos que se criou da beleza. Como é que você vive esse conflito entre…
S.A.: Eu acho que a beleza é uma coisa muito relativa. De certeza que há pessoas que me acham horrível e espero que haja alguém que me ache uma certa piada. Portanto, a partir daí, eu acho que as pessoas são escravas delas próprias, ou seja, eu gosto de me sentir bem comigo própria, independentemente, daquilo que as outras pessoas possam achar bonito ou não. Portanto, eu não sou escrava da beleza, eu não sei definir beleza. Eu sei como é que me sinto bem e é verdade que tento fazer os possíveis para me sentir bem comigo própria. E se isso implica não comer um bolo hoje para amanhã me sentir melhor, faço isso sem o menor sacrifício. Não é por isso que sou escrava da beleza.
M.S.T.: E como diz o povo: mais vale rico e bonito do que pobre e feio.
Rico, bonito e saudável. Pobre feio e sem saúde.

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